A carta divulgada pelos jogadores do Cruzeiro, em que eles se mostraram indignados com as declarações ‘irônicas’ do presidente Gilvan de Pinho Tavares, chamou ainda mais atenção para o atraso de salários na Toca da Raposa. Por telefone, de Brasília, o ex-presidente do clube, o senador Zezé Perrella, comentou sobre a terça-feira agitada em Belo Horizonte. Para Zezé, o principal problema pode ter sido falta de diálogo. Ele entendeu como uma brincadeira a declaração de Gilvan, e viu como precipitada a atitude dos atletas. Classificando como temporário o problema celeste, o ex-dirigente da Raposa não viu novidade nos cofres vazios, e fez questão de frisar que a situação financeira do Cruzeiro é ‘uma das mais estáveis do Brasil’.
Zezé viu com tranquilidade a carta aberta divulgada pelos jogadores. Mas para ele, a situação poderia ter sido resolvida internamente.
- Os jogadores não estão reclamando do atraso, o que eu acharia um absurdo. Afinal, são vinte dias que está atrasado, e a lei permite que se atrase 90 dias. Às vezes, faltou diálogo nesse sentido. Sobre o atraso, não vejo sentido em reclamar. O Palmeiras estava com três meses, o Flamengo com três meses de atraso. O Cruzeiro atrasa vinte dias e causa essa polêmica toda?
O que motivou a atitude dos atletas celestes foi a declaração feita pelo presidente Gilvan de Pinho Tavares, em uma entrevista no dia 19 de janeiro, quando ele disse que os atletas ganhavam uma ‘miséria’, e que o atraso, que até então era de poucos dias, faria ‘uma falta danada'. Perrella disse ter certeza que seu sucessor não teve maldade ao dar essa declaração. Ele reafirmou a necessidade de o clube de negociar jogadores.
- Tenho certeza que ele (Gilvan) estava brincando. O mais importante: sempre consegui pagar meus compromissos em dia porque eu vendia jogadores. Não vendia porque achava bonitinho. Mas, às vezes, o torcedor não entende. Temos receita inferior aos clubes de Rio e São Paulo na ordem de 40%. Mesmo assim, eles ainda atrasam. Eu conseguia equilibrar com venda. E não é vender um só não, tem que vender três ou quatro por ano. Atualmente, a maioria dos jogadores tem parte dos direitos pertencentes a investidores, outros clubes, ou eles mesmos. Então, precisa fazer dinheiro. Desde o primeiro momento, eu achava que deveria ter vendido o Montillo.
A declaração dada por Gilvan, de que teria assumido o clube com o caixa zerado, não surpreendeu Perrella, que garantiu ter deixado isso claro quando se desligou do clube. Para ele, essa é uma realidade da maioria dos clubes, e por isso a negociação do meia Montillo deveria ter sido melhor avaliada. O ex-presidente contou que só não vendeu o argentino por 10 milhões de euros enquanto era presidente para atender um pedido de Gilvan.
- O Cruzeiro tem compromissos no início do ano, e realmente o caixa estava zerado. A única alternativa que eu via era vender o Montillo. Não estou criticando o presidente, obviamente ele vai buscar outras alternativas, tem o projeto legal do sócio torcedor. Mas eu não sei fazer futebol de outra forma. Jogador de futebol eu trato como um ativo financeiro como qualquer outro. É com o dinheiro da vendas que se repõe o time. Nunca foi fácil, é difícil para qualquer um, foi pra mim, será para quem assumiu. Tem duas alternativas para arrumar dinheiro: faz um empréstimo; ou negocia jogador.
Os episódios cruzeirenses deste início de temporada, principalmente no que diz respeito à saúde financeira, anunciam um quadro de crise na Toca da Raposa. Perrella disse estar até chateado e afirmou que não deixou o clube quebrado. Muito pelo contrário. Segundo o ex-dirigente, a Raposa teria uma das situações mais estáveis do futebol brasileiro.
- Fica parecendo que o Cruzeiro está quebrado. Momentaneamente, está apertado. Mas o Cruzeiro está entre os três clubes do Brasil com a situação mais estável. Outros clubes estão devendo 300, 500 milhões. O Cruzeiro tem uma dívida a ser paga, não é vencida, na ordem de 30 milhões. Isso no futebol não é nada. A outra dívida que nós temos de 78 milhões é a respeito do Cofis. Ela foi parcelada, com multa, mas custa pouco, cerca de 2% do faturamento do clube. Nunca representou instabilidade. O que temos que pagar são esses 30 milhões. Quando saí, deixei bem claro.